quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Carta no mar

Carta no mar

O céu vermelho é a carta de uma ruína
a ruína vive em mim
como as estrelas vivem no céu
O vermelho é a cor do líquido que corre em meus pulsos
cheios de desespero
Como aquele sorriso amarelo na grama
com os lábios esticados demasiado e
a gengiva tão visível quanto as nuvens

Uma minúscula esfera azulada
um nada comparado a escuridão em que fica
é onde vivo
tão pequeno, com sobreviventes menores ainda
Aqui todos usam luvas, pois creem que as rosas têm espinhos
todos riem para esconder as lágrimas
Estamos presos em rotinas sem nem um propósito

Minha irmã de dezessete anos trabalha até seus olhos de fecharem sem o seu consentimento
minha amiga de quinze anos mergulhará em todas as palavras que vê enquanto elas existirem
minha prima de dez anos enfia a língua na garganta de homens vinte anos mais velhos
e o que me dizem?
eu os ouço dizer que a minha prima é a mais esperta
Aqui é assim
Nessa pequena bola azul e branca onde eu vivo é assim

O único sorriso que vejo pertence a bola quente de fogo assustadoramente grande em cima da minha cabeça
O único sussurro de felicidade que ouço é do vento forte perto da areia
O único grito de alegria que ouço é das ondas irritadiças com as garrafas de plástico jogadas em suas espumas
ah, o mar!, tão belo!
minhas lágrimas salgadas são doces ao seu encontro
os peixes pequenos que correm em desespero quando me veem parecem tão frágeis e tão fortes...
os lamentos e choros parecem tão insignificantes perto de tanta água
A água, a vida
As sereias me chamam ao seu encontro
dizem que Atlântida não é longe pra quem pertence ao oceano
Eu quero ir
a esse lugar desconhecido
Quero me desprender a dor da terra
e viver livre na água

Uma criança chorou na minha frente
não era birra:
não chorava por fome nem por saudade
chorava como um adulto
chorava por motivos que faziam meus olhos encharcarem
chorava porque as pessoas preferiam usar luvas para proteger-se das rosas
a segurá-las com suas próprias mãos

De fato, o mar me sussurrou algo
as sereias me chamaram outra vez
e eu, fraca, me doei
Atirei-me contra as ondulações geladas
sentindo meus pulmões afundarem com o peso
meus olhos se encharcaram
porém, dessa vez,
se encheram da água fria e salgada
do belo mar que me gritava de alegria